segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Os "batatóides"

Por Galopim de Carvalho

OS "BATATÓIDES"

Texto que hoje dedico aos que, como eu, os manusearam, enquanto professores e/ou alunos.

Como já disse noutro local, a cristalografia morfológica, a tradicional, a que deu apoio aos mineralogistas do século XIX e de boa parte do século XX, explorava profundamente a geometria dos poliedros cristalinos, com exaustivas medições dos ângulos diedros (ente duas faces contíguas). Inicialmente medidos com os velhos goniómetros de aplicação, profusamente figurados, ainda hoje, nos manuais de mineralogia.

Com maior rigor, esses mesmos ângulos foram medidos, nesse período áureo da cristalografia morfológica, também apelidada geométrica, através da utilização dos goniómetros de reflexão, com destaque para os de Wollastron e de Fedorov.

Peças de notada beleza, os os modelos cristalográficos de madeira , mais conhecidos entre os estudantes, por “batatóides”, produzidas por um artesanato especializado, de grande precisão, para apoio à investigação científica, estão, hoje em dia, conservadas como objectos de museu nos expositores das universidades e de outras instituições que os usaram como rotina. Já obsoletos como equipamentos de trabalho (a utilização dos raios X abriu o caminho à moderna cristalografia, dita estrutural), estas relíquias ainda faziam parte das provas práticas obrigatórias ao tempo do meu concurso para professor extraordinário, em 1975. A velha e aristocrática cristalografia morfológica, fascinante como exercício intelectual, permitiu, desde muito cedo, entre outros avanços, definir relações geométricas com as quais se estabeleceram as 32 classes de simetria possíveis, universalmente usadas na caracterização das espécies minerais.
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No ensino prático desta disciplina, passaram-me pelos dedos, primeiro, como aluno da licenciatura e, depois, como assistente, centenas destes pequenos poliedros, de dimensões centimétricas, talhados em madeira, exemplificando, com rigorosa precisão, as inúmeras formas cristalográficas distribuídas pelas classes de simetria. Em complemento das matérias teóricas, ministradas com excepcional clareza e elegância pelo Prof. Torre de Assunção, lá vinham os “batatóides”, as respectivas projecções cristalográficas e os mais variados problemas, onde a trigonometria esférica era tratada por tu, em aulas práticas assistidas pelo Doutor Boto, um compêndio vivo nesta matéria e na Mineralogia, homem de uma enorme exigência e de quem me tornei amigo.

Sebentos devido ao intenso manuseamento, anos e anos, por gerações de estudantes, estes modelos de madeira, do agrado de alguns, entre os quais me incluo, e detestados por muitos, desapareceram quase todos, convertidos em cinza ou em carvão, no incêndio da Faculdade de Ciências de Lisboa, de 1978, há quase quarenta anos.




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